quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Jorge Bucay: Quem sou? Onde vou? Com quem?

Mesmo as pequenas perdas implicam dor e trabalho. Uma dor que magoa e um trabalho que é necessário fazer, que não acontece por si. Uma tarefa que quase nunca acontece de forma espontâneas connosco como espectadores. Se em geral tudo acontece de forma natural, sem necessidade de atropelos nem buscas, o nosso caminho para o êxito implica pelo menos uma certa participação activa no processo que, não sendo necessário, não +e nem um pouco agradável. É claro que existem perdas de tal modo comoventes que geram invariavelmente lutos difíceis, mais longos, mais intensos e mais perturbadores.

É obvio que de nada vale evitar o sofrimento do luto através da fuga ao compromisso efectivo com algo ou alguém; e contudo é uma ideia que se vai tornando uma maneira de viver neste mundo hedonista e repleto de conflitos em que vivemos; uma normal cultural ensinada, aprendida e ensaiada com frequência, mesmo se denunciada como inútil e inaceitável.

E embora seja verdade que uma tal atitude garante um menos sofrimento, fará sentido comprar uma apólice de seguro contra a dor de uma futura perda se em troca formos obrigados a não entregar o coração?
Certamente não.

Nas letras minúsculas desse contrato macabro está expresso com clareza que, embora não se garanta a ausência de dor, auspicia-se a desaparição definitiva de toda a possibilidade de desfrutar de um encontro genuíno com os outros.
Não que seja impossível desfrutar sem a necessidade de por isso sofrer, mas o prazer é impossível se estamos obsessivamente a fugir à dor.

A maneira de não sofrer “de mais” não é amar “menos”, mas aprender a não ficar apegado àquilo que não existe quando nos toca o momento da separação ou da perda. O segredo é desfrutar do que temos e fazer os possíveis para que seja maravilhoso enquanto dura. O segredo é viver de forma comprometida cada momento da vida. O segredo é, enfim, viver amanhã pensando neste dia de hoje que foi tão maravilhoso, porque amanhã deveremos assumir o compromisso com o que está a acontecer, de modo a torná-lo também maravilhoso.

O conceito de compromisso é ancorarmo-nos ao que acontece em cada momento e não àquilo que aí vem, muito menos ao que já passou. Ficar agarrado a ontem é um compromisso que já passou. É viver agarrado ao passado, cultivando aquilo que já não existe. O que acontece se tentarmos redescobrir a nossa relação com o outro todos os dias? O que acontece se decidirmos tentar o compromisso apenas por hoje? O que acontece se nos obrigarmos a renovar o compromisso diariamente em vez de uma vez e para sempre? Para muitos temerosos, inseguros, estruturados, isso transformaria a relação num vínculo light, pouco comprometido.

A resposta mais comprometida e afirmativa a um vínculo afectivo é simplesmente estarmos dispostos a não nos apegarmos a essa pessoa, a essa situação, a essa relação. Se amanha terminar o que hoje tanto prazer nos dá, devemos ser capazes de tornar a decisão de o deixar ir, mas até que esse momento chegue (e talvez nunca chegue), enquanto o fim não chega, tentemos ser totalmente comprometidos: Tenho o compromisso daqueles que afirmam que se comprometem por amor e não daqueles que amam por compromisso.

Light é a decisão de não se comprometer nem aqui nem agora protelando a abertura e o risco para outra ocasião, outro lugar, outra realidade, e não acredito que isso constitua uma solução.

Ser quem sou é ser capaz de avançar no meio da dor, mas sem temer esse caminho regado de lágrimas que são os lutos, porque, além das pessoas que perdemos, existem situações que nos transformam, existem laços que mudam, existem etapas da própria vida que ficam para trás, existem momentos que acabam, e cada um deles representa uma perda para elaborar.

Se sou capaz de aceitar isso como fazendo parte da vida, acabarei por concluir que a minha principal responsabilidade é aprender a tornar-me mais rico com as despedidas.

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